É namoro ou união estável?

Essa pergunta feita a integrantes de um casal pode originar respostas diferentes para cada um deles. Formulada a mesma pergunta a respeito desse casal a pessoas conhecidas suas da sociedade ou dentro da própria família, respostas divergentes, possivelmente serão ouvidas.

A situação em si não gera perplexidade, de vez que os contornos do namoro, nos tempos atuais, muito se aproximam da união estável, sendo ambos os institutos separados por uma linha tênue, o que na prática ocasiona grandes embates judiciais quando discutida em juízo a natureza jurídica de um relacionamento ente duas pessoas.

Uma breve retrospectiva ao século passado é necessária para relembrarmos que naquela época o namoro acontecia sob o olhar vigilante dos pais que zelavam pela “honra” de suas filhas e beijos e abraços apenas aconteciam, após transcorrido um longo tempo e aprovado o relacionamento pela família. Correspondia a um período de tempo em que o casamento era planejado e somente após sua realização, a vida sexual tinha início.

Ao contrário, nos dias de hoje, a liberdade que permeia os namoros inverteu completamente essa cronologia, os casais se conhecem, começam a “ficar”, fazem sexo sem compromisso, uma espécie de test drive e, só então, passado um tempo, assumem-se como namorados e daí para começarem a morar junto, não tarda muito.

É nessa conjuntura que o namoro passa a ter uma particular importância porque acaba por se tornar uma convivência pública, contínua e duradoura, o denominado namoro qualificado, a imprimir na sociedade senão ares de família, no mínimo, a dúvida, conferindo sentido ao questionamento que empresta título a esse artigo: “É namoro ou união estável?”

A união estável, por sua vez, é definida pelo art. 1723, do Código Civil como sendo a entidade familiar entre o homem e a mulher (leia-se duas pessoas), configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. Como se pode perceber, não há exigência de coabitação, nem de um tempo mínimo de vida em comum.

Em realidade, o que distingue a união estável do namoro qualificado é um mero adjunto adverbial de modo “com o objetivo de constituir família”, o que revela a prevalência do aspecto subjetivo na distinção das duas figuras. À míngua de clareza do texto legal em definir em que consiste a intenção de formar família, cabe ao intérprete fazê-lo.

A jurisprudência não é uniforme a ponto de suprir a lacuna da lei, havendo dúvida até mesmo se a coabitação e a existência de prole são suficientes para preencher esse vazio normativo. Vem a calhar lembrar o debate recente levado à justiça em torno do relacionamento entre o apresentador Augusto Liberato e a médica Rose Miriam, mãe de seus três filhos, em que se controverte se houve, de fato, uma união estável entre eles. Caso reconhecida a união estável, esse fato repercutirá diretamente no inventário do Gugu, notadamente, no testamento, pois, dada a inexistência de pacto de convivência anterior, incidirá, na hipótese, o regime da comunhão parcial de bens e a mulher terá direito à sua meação e, ainda, concorrerá com os filhos na sucessão dos bens particulares do apresentador.

Por vezes acontece o contrário, um breve convívio passa a ser reconhecido como união estável. Em outras ocasiões, na falta de um pacto, o termo inicial é reconhecido em data anterior à estabilidade da união, resultando em efeitos patrimoniais que compreende um período de mero namoro. A falta de formalização também provoca ferrenho litígio na determinação do termo final da união, algumas vezes causando prejuízos patrimoniais a uma das partes.

A insegurança causada por essa sutil diferença entre um e outro instituto recomenda que os casais que vivem em uma situação-limite acautelem-se e comecem a cogitar da possibilidade de celebrar um contrato de namoro, contemplando cláusula de evolução, ou seja, a hipótese de vir a se configurar união estável e, nesse caso, estabelecendo regime de bens, com vistas a que não venham a ser surpreendidos com repercussões patrimoniais indesejáveis, na hipótese de um súbito rompimento.

A importância dessa cláusula consiste no fato de que o contrato de namoro não elimina a possibilidade o reconhecimento de união estável, se de fato ela já se caracterizou, mas proporciona a possibilidade das partes pactuarem o regime de bens na condições que melhor lhes aprouver, a partir do momento da celebração.

Outra cláusula indicada é a de independência econômica, dispondo que a relação possui natureza exclusivamente afetiva e, portanto, em sobrevindo o término, cada um deles ficará para si apenas com o que já possuía antes ou adquiriu durante esse relacionamento.

Isso é tanto mais importante se considerado que a união estável para se caracterizar e produzir os efeitos que lhe são próprios, necessita, tão-somente, que as partes realizem o comportamento descrito na lei, dispensando qualquer formalidade prévia, razão pela qual Paulo Lôbo a classifica como ato-fato jurídico.

Em tempos de modernidade líquida em que as relações de constituem e se desfazem com uma certa rapidez, muitas vezes norteadas pelas regras das relações de consumo, de satisfação imediata com o mínimo de investimento possível, a celebração do contrato de namoro é uma medida preventiva de grande importância.

O contrato de namoro enquadra-se nos contratos atípicos, previstos no art. 425, do Código Civil e tem origem no direito norte-americano, onde recebe a denominação de agreement of joint intent not to have a common law marriage. Dito pacto é celebrado por pessoas que desejam evitar a configuração dos casamentos informais, os common law marriages, instituto surgido à época da Contrarreforma e ainda reconhecido em alguns estados daquele País, embora sem disciplina legal específica.

Em síntese, é importante consultar um especialista para buscar uma orientação sobre o seu caso, em concreto, o qual poderá auxiliar na escolha do melhor regime de bens a ser adotado, após uma criteriosa avaliação da situação de cada um dos contratantes, lembrando que esses contratos podem adotar regimes mistos, excluindo a comunicabilidade de alguns bens, conter cláusulas restritivas sobre determinados bens, inclusive participações societárias, e ainda, podem contemplar disposições de índole existencial, como é o caso de cláusulas penais em face de violência doméstica ou infidelidade.

Referência bibliográficas

XAVIER, Marília Pedroso. Contrato de Namoro: amor líquido e Direito de Família mínimo. 2.ed. Belo Horizonte: Forum, 2020.

OLIVEIRA NETO, Renato Avelino. Contrato de Coabitação na união de fato. Coimbra: Almedina, 2006.

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