O regime da comunhão parcial de bens e suas armadilhas

A partir da vigência da Lei do Divórcio, em 1977, o art. 1.640, do Código Civil,
adotou o regime da comunhão parcial de bens, aplicável a casamentos e uniões estáveis
na ausência de pacto antenupcial ou de pacto de união estável elegendo um outro regime.
A regra geral norteadora desse regime é ditada pelo art. 1.658, do CC, o qual estabelece
a comunicação dos bens que sobrevierem na constância do casamento, estendendo-se à
união estável essa mesma disciplina.

Esse regime caiu no gosto do brasileiro, primeiro, porque dispensa qualquer
formalidade ou custo adicional, em se tratando de casamento, além da tradicional
habilitação de casamento e seus respectivos emolumentos; segundo, porque parece ser o
mais justo de todos os regimes por compreender patrimônios particulares,
incomunicáveis, de cada cônjuge ou companheiro e patrimônio comum, comunicável,
integrando os bens uma ou outra categoria, a depender da data da aquisição ter ocorrido
antes ou depois do início da união.

Melhor explicando, bens comuns que compõem o patrimônio comum são todos
aqueles adquiridos onerosamente pelo casal, isto é, com emprego de recursos pecuniários,
na constância da união, dada a presunção absoluta de que são resultado do esforço comum
de ambos, o que, automaticamente, afasta a necessidade de que a participação financeira
de um e outro tenha sido igual ou, ainda, dispensa até mesmo a contribuição pecuniária
de um deles. Não por outro motivo, o art. 1.660, I, do CC estabelece que o bem adquirido
entra na comunhão, mesmo estando em nome de apenas um deles.

Dito dessa forma, parece que nesse regime tudo aquilo que adquiri antes da união
me pertence e o que você conquistou antes lhe pertence. Certo?

Não exatamente. E o propósito desse artigo é demonstrar que o desconhecimento
das regras aplicáveis a esse regime de bens pode fazer alguém desavisado comprar “gato
por lebre”.

Em que pesem os bens particulares pertençam a cada um dos membros do par, as
benfeitorias realizadas na vigência da união, quer sejam necessárias, úteis ou
voluptuárias, à vista da presunção de que foram utilizados recursos comuns, passam a
integrar o patrimônio comum, por expressa disposição do inciso IV, do art. 1660, do CC
e, portanto, são partilháveis, na hipótese de desfazimento da união. Está-se diante de uma
situação em que um mesmo bem fica submetido a dois regimes patrimoniais diferentes:
o particular, na situação em que se achava ao tempo do casamento ou união estável, e o
comum que atribui ao não proprietário do bem a metade do valor das benfeitorias.

De igual forma, integra o patrimônio comum do casal, os frutos civis dos bens
particulares, a teor do disposto no inciso V, art. 1660, do CC. Consideram-se frutos civis
rendas provenientes de capital, tais como juros, aluguéis e dividendos. Assim, no caso de
algum dos cônjuges possuir aplicação financeira anterior à união, os juros compõem o
patrimônio comum e estão sujeitos à partilha, metade para cada cônjuge, aí incluídos os
pendentes de recebimento até a data da dissolução da união.

Embora os bens recebidos em doação e os herdados não se comuniquem nesse
regime de bens, porque transmitidos gratuitamente, os frutos civis gerados na constância
da união também integram a massa patrimonial do casal em virtude da presunção do
emprego do esforço comum para sua produção.

A comunicabilidade dos frutos também repercute no ambiente da empresa, quando
o acervo patrimonial é composto de participações societárias e apenas um dos cônjuges é
sócio. Nesse caso, duas hipóteses devem ser consideradas: a primeira, quando a criação
da empresa é posterior à união em que é indiscutível que o cônjuge ou companheiro nãosócio tem direito à metade da expressão econômica das quotas sociais ou ações, e a
segunda, quando a constituição da sociedade é anterior ao casamento ou união estável,
casos em que entra em discussão o direito do não-sócio à eventual partilha da valorização
das quotas sociais ou ações.

É incontroverso que o ex-cônjuge, não-sócio, tem direito à partilha dos dividendos
distribuídos, mesmo constituída a sociedade antes do casamento ou união estável,
considerados esses frutos civis, incidindo na hipótese a regra do art. 1.660, inc. V, do CC.

Contudo, ainda é objeto de discussão a comunicabilidade das quotas quando os
lucros, ao invés de distribuídos, são mantidos em conta reserva da empresa ou são
utilizados em recapitalização da empresa, dando ensejo ao aumento de capital. Isso
porque, no momento, tem-se apenas algumas decisões do STJ que não configuram
precedentes qualificados, desfavoráveis à partilha de tais valores.

Exemplificativamente, menciona-se o julgamento do Agravo Resp.
1.173.931/RS1 em que a Corte considerou que a valorização das quotas sociais de
sociedade limitada é mero fenômeno econômico e como tal não resulta de esforço comum
do casal, a justificar a partilha e o Resp 1.595.775/AP2 em que o Tribunal entendeu não
ser comunicável a valorização das quotas mantidas em reserva para recapitalização
posterior da sociedade, considerando que se trata de produto da sociedade empresária.

A reforma do Código Civil promete solucionar essa polêmica. Consta no projeto
a proposta de incluir ao art.1.660, do CC o inciso VIII que estabelece a comunicabilidade
da valorização das quotas ou participações societárias, ainda que a constituição da
sociedade seja anterior à união enquanto o inc. IX prevê a partilha da valorização das
quotas ou ações, no caso de reinvestimento de lucros, de modo a promover uma partilha
mais igualitária.

Um planejamento patrimonial eficiente pode evitar os efeitos indesejados desse
regime por meio de cláusulas de segurança a serem inseridas em pactos antenupciais,
pactos de convivência ou, havendo empresa, em contratos sociais, assim como por meio
de acordos de acionistas ou quotistas, prevenindo litígios familiares e processos
intermináveis com prejuízo aos vínculos familiares e ao ambiente empresarial.

Referências Bibliográficas
FLEISCHMANN, Simone Tassinari Cardoso; POMJÉ, Caroline. Partilha da Valorização das cotas sociais.
Revista Brasileira de Direito Civil. v. 31, out./dez. 2022

LÔBO, Paulo- Direito Civil: famílias. V. 5. 9.ed- São Paulo: Saraiva, 2019.

PARTILHA sobre a valorização das cotas sociais na reforma do Código Civil. São Paulo, 3 jul. 2024.
Consultor Jurídico. Disponível em https://www.conjur.com.br/2024-jul-03/partilha-sobre-valorizacao-dascotas-sociais-na-reforma-do-codigo-civil/ Acesso em: 3 jul. 2024.

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