Falar sobre o fim da vida é tema sensível sobre o qual muita gente sequer gosta de pensar, uma característica muito marcante do brasileiro. Isso se deve, em parte, por não ser muito do feitio de nossa gente fazer planejamento e, em parte, por uma certa superstição de que refletir sobre a única coisa que se tem certa na vida, a morte, atrai azar.
Contudo, acontecimentos recentes estão alterando esse contexto, com destaque especial para a pandemia da covid-19, evento imprevisível e inevitável que dizimou tantas vidas em tão curto período de tempo, aplicando um verdadeiro choque de realidade nas pessoas, em geral, notadamente quanto ao fato de que, muitas vezes, o fim chega sem aviso prévio.
A perplexidade trazida por essa constatação, despertou em uma parcela da população o interesse de organizar a própria sucessão, daí resultando uma corrida ao planejamento sucessório, o que se traduz no incremento da quantidade de testamentos realizado no Brasil. Segundo informação do Colégio Notarial do Brasil, os registros de testamento, no período compreendido entre 2012 e 2021 deram um salto, passando de 38.566 para 52.275, a refletir um crescimento na ordem de 35,5%.
Embora o testamento seja o instrumento mais tradicional de planejamento sucessório, há muitas outras ferramentas alternativas que podem ser utilizadas para se organizar os negócios da família, estabelecer proteção em favor de familiar vulnerável e promover economia no pagamento de tributos na sucessão, evitar disputas sucessórias entre herdeiros e a subsequente tramitação interminável de inventários.
Entretanto, qualquer que seja a ferramenta utilizada, há de se lembrar que o planejamento sucessório está sujeito a dois importantes limites: o respeito à legítima, isto é aos 50% do patrimônio do planejador, destinados aos herdeiros necessários (art 1846, do CC) e a segunda, a vedação do pacto sucessório, o chamado pacta corvina (art. 426, do CC) que proíbe contrato que verse sobre herança de pessoa viva.
Na grande maioria das vezes, o primeiro instrumento de planejamento patrimonial e sucessório que alguém utiliza na vida é a escolha do regime de bens. O regime de bens eleito para reger a união, disciplina não apenas a partilha de bens pelo desfazimento voluntário do vínculo, em vida, mas também a dissolução resultante da morte de um dos cônjuges ou conviventes, que convoca a incidência do Direito Sucessório.
Esse também é um forte motivo para se inteirar profundamente sobre o regramento de cada regime previsto no Código Civil, assim como saber que, com a ajuda de um especialista, é possível estabelecer um regime misto, que melhor se amolde às particularidades de cada casal, notadamente quando apenas um deles é sócio de sociedade simples ou empresária ou quando pretendem constituir uma. De qualquer sorte, não é demais lembrar que atualmente é viável, havendo consenso, alterar o regime de bens.
A doação com reserva de usufruto é outra ferramenta inter vivos bastante utilizada e pode ter por objeto bens imóveis ou móveis, incluindo quotas sociais. Trata-se de negócio jurídico em que o doador transmite a nua-propriedade ao sucessor, mantendo consigo o direito de usar e fruir o bem. A opção de impor cláusula de reversão conjuntamente ou não com o usufruto, assegura ao doador o retorno do bem ao seu patrimônio em caso de pré-morte do donatário.
A utilização de seguro de pessoa com cobertura por morte é outro importante instrumento, pois não configura herança, não está sujeito à colação, não tem incidência de ITCMD e, tampouco, pode ser alcançado pelas dívidas do autor da herança (art. 794, do CC) e é de rápida liquidez.
A contratação de planos de previdência complementar privada, definidos como de natureza securitária é frequentemente utilizada no planejamento sucessório e caracterizam-se por serem opções menos burocráticas e de alta liquidez nos quais, indicados beneficiários, no caso de morte do instituidor, não integram a herança, ficando isentos de ITCMD. A opção pelo VGBL afigura-se mais adequada, pois existem vários julgados do STJ que afastam a natureza securitária do PGBL, obrigando que tais reservas integrem o monte-mor, além do que há Estados que instituíram a cobrança de ITCMD sobre os valores vertidos ao plano.
Por fim, e não menos importante, porém, de maior complexidade do ponto de vista estrutural e funcional, é a constituição de holdings familiares, pessoas jurídicas criadas com a finalidade de organização e perpetuidade do patrimônio da família, seja ela empresária ou não, planejando a transmissão dos bens à geração seguinte. As holdings são também meios idôneos à organização de interesses de índole existenciais. Essa modalidade de planejamento, que desperta tanta curiosidade, à vista da popularidade que conquistou, será tratada em um artigo à parte.
A reforma do Código Civil de 2002 promete introduzir novidades ao fideicomisso, ampliando sua aplicação até o momento restrita à prole eventual, a permitir que alguém (fideicomitente) transfira seu patrimônio para terceiro (fiduciário), não remunerado, ao qual caberá administrá-lo, em confiança, para futura entrega ao beneficiário designado (fideicomissário), na forma previamente determinada. Esse poderá ser um instrumento de grande utilidade no âmbito do planejamento sucessório, especialmente se voltado para a proteção de pessoa com vulnerabilidade, como incapazes, menores de idade e pessoas com dependência química, por exemplo.
Às vésperas de alterações no Código Civil e com a proximidade da entrada em vigor da reforma tributária, com forte impacto em muitos desses instrumentos, já se percebe aumento na busca por planejamento, cabendo o alerta de que planejamentos já realizados deverão ser revistos para melhor se amoldar aos interesses de seu instituidor e da família que pretende proteger, necessidade essa que se renova a cada mudança na estrutura familiar, devendo o instituidor recorrer ao auxílio de um especialista para maior eficiência dos ajustes a serem feitos.
Referências Bibliográficas
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Daniele Chaves (coord). Tratado de Direito das Sucessões. Belo Horizonte: IBDFAM, 2023.
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HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flavio. Planejamento Sucessório. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (coord). Arquitetura do Planejamento Sucessório. 2a ed. Belo Horizonte: Forum, 2019.
TEIXEIRA, Daniele Chaves. Planejamento Sucessório no ordenamento brasileiro: limites e possibilidades. In: TARTUCE, Flavio; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (coord). Tratado de Direito das Sucessões. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família- IBDFAM, 2023.