Sabe-se que o Direito Sucessório está em descompasso com as transformações havidas em seus dois pilares: a família que passou por transformações estruturais, a começar pela sua concepção plural que importou na modificação de seus institutos; e o patrimônio que, face ao progresso tecnológico e científico, a par dos tradicionais, passou a ser integrado por novos bens, imateriais, incorpóreos e intangíveis, abrangendo até mesmo a própria atividade humana que, quando apta a produzir riqueza, converte-se em capital imaterial.
O planejamento sucessório apresenta-se como instrumento jurídico pelo qual o autor da herança organiza em vida sua sucessão e livremente atribui à herança o destino que melhor atende ao perfil de sua família, contornando a rigidez das normas do Direito Sucessório, reduzindo, assim, futuros litígios, ao tempo da abertura da sucessão. O planejamento, quer por ato inter vivos ou causa mortis atende a um desejo de transmissão “personalizada” da herança, que se manifesta por meio da autonomia do titular do patrimônio.
Entretanto, a autonomia do autor da herança de dispor de seu patrimônio encontra limite nos direitos e garantias consagrados na CF, assim como nas regras sucessórias estatuídas na legislação infraconstitucional, de natureza heterónomas, que preservam o que é considerado interesse público merecedor de tutela estatal, sob pena de ser inviabilizada a sua execução e vir a atingir o efeito diverso do pretendido, qual seja, tornar-se fonte de disputa sucessória e conflito entre os herdeiros.
O planejamento sucessório não se confunde com blindagem patrimonial que se presta a fins escusos de fraudar legítima ou meação por meio da prática simulada de negócios jurídicos, tais como permutas e dações em pagamento desproporcionais efetuadas entre cônjuges ou entre pais e filhos, algumas vezes com a intenção de prejudicar filhos de outras núpcias ou concebidos fora do casamento. Em hipótese tais, o suposto planejamento sujeita-se à invalidação e pode dar ensejo a litígios familiares e a um longo tramitar de inventário.
Em sendo o planejamento integrado por uma holding familiar, ocorrendo a fraude à meação ou à legítima no ambiente societário, é viável a desconsideração da personalidade jurídica inversa (art. 50 do CPC), devendo o juiz ignorar a autonomia da pessoa jurídica para o efeito de tornar ineficaz o ato abusivo, não importando necessariamente em dissolução da sociedade ou a declaração de nulidade de ato simulado, a depender do meio utilizado na fraude, com fundamento no art. 167 do CC.
O respeito à legítima e a vedação do pacta corvina são considerados por Hironaka e Tartuce como as duas regras de ouro a serem observadas na elaboração de um planejamento sucessório.
O instituto da legítima tem por finalidade garantir a propriedade, assegurando sua permanência no patrimônio da família, tanto que é deferida às pessoas mais próximas do de cujus. Trata-se de uma espécie de gerenciamento estatal do património, de índole destacadamente paternalista que limita a vontade do autor da herança, a pretexto de proteger seus próprios interesses.
Tampouco podem ser objeto de pactos sucessórios a herança de pessoa viva, de acordo com o comando emanado do art. 426, do Estatuto Substantivo Civil, os chamados pacta corvina, que consubstanciam negócios jurídicos que têm por objeto direito hereditário a ser transferido, após a abertura da sucessão.
Tais negócios são repudiados pelo direito especialmente pelo risco de suscitarem no beneficiário o desejo de morte ou antecipação da morte do autor da herança. Pactos dessa natureza padecem de nulidade absoluta, como se depreende do art. 166, inc. VII, do Código Civil, haja vista que se enquadram entre os atos a que a lei proíbe a prática sem cominar sanção.
A vedação do pacta corvina é responsável pelo intenso debate acerca da possibilidade de inserção de cláusula de renúncia ao direito concorrencial de um cônjuge na sucessão do outro em Pacto Antenupcial. O exame da questão merece levar em conta que cláusula nesse sentido não acarreta para o cônjuge renunciante nenhum proveito patrimonial. De conseguinte, nesses casos, não há que se temer que disposição dessa natureza possa ensejar o imoral desejo da antecipação da morte do outro, esse o motivo da vedação do pacta corvina, que, nesse caso, lhe valeria muito mais vivo do que morto. Ou seja, eventual renúncia não importa afronta à teleologia do art. 426 do CC.
O êxito do planejamento sucessório depende, em parte, da manifestação de vontade dos herdeiros. No planejamento sucessório inter vivos, indispensável a anuência na doação, assim como na composição da sociedade empresária e, ainda, na partilha em vida; na hipótese de causa mortis, a execução testamentária imprescinde da anuência dos herdeiros, o que torna desafiadora a missão do advogado na formação de consensos.
Referências bibliográficas
MADALENO, Rolf. Fraudes empresariais no Direito de Família e Sucessões. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha; DIAS, Maria Berenice (coord). Revista Ibdfam: famílias e sucessões, v. 58- Belo Horizonte: IBDFAM, 2023.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio. Planejamento Sucessório: conceito, mecanismos e limitações. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (coord). Arquitetura do Planejamento Sucessório, Tomo II. 2a ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.
1 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio. Planejamento Sucessório: conceito, mecanismos e limitações, p. 439
TEIXEIRA, Daniele Chaves Teixeira. Noções prévias do direito das sucessões: sociedade, funcionalização e planejamento sucessório. In: TEIXEIRA, Daniele Chaves (coord). Arquitetura do Planejamento Sucessório, Tomo II. 2a ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019.